Vou chamar-lhe Jeremias.
O Jeremias é um tipo de uns 18 anos, escuro, mesmo muito escuro na pele.
O cabelo tem a carapinha arvorada, mais pela sujidade que pela intenção.
Faça 10, 20 ou 30 graus, vejo-o sempre com a mesma roupa, de há muitos meses, tudo em preto desbotado, tudo coberto pelo mesmo sujo blusão de chuva, com a gola a cobrir-lhe o pescoço.
Mas embora não se lave habitualmente, o Jeremias não cheira mal.
Ora o Jeremias está sempre no mesmo lugar aos fins-de-semana, logo cedinho junto à entrada menos movimentada do shopping que há perto da minha casa, sempre imóvel, sempre de olhar vivo, como quem se preparou para esperar uma eternidade.
Nunca lhe ouvi uma palavra. Mas o seu olhar perscruta quase incomodativamente quem entra. Tratando-se de comprovados humanos, é difícil que a indiferença prevaleça.
Soube recentemente que o Jeremias apenas dirige a palavra a mulheres, de preferência bem mais velhas que ele, para pedir ajuda. Provavelmente por medo. Talvez esteja doente. Talvez já lhe tenham batido, ou de algum modo brutalizado.
Não sei bem o que farei, pois o Jeremias, é quase certo, nunca me pedirá apoio ou dirigirá a palavra. Talvez por isso mesmo passou a apetecer-me ajudar o Jeremias.
Há neste pudor, no seu recatamento, na sua desprotecção, na sua quase sensatez algo que a minha curiosidade pelas pessoas não pode aceitar passivamente.
Eis-me por isso em severas cogitações sobre como hei-de eu abordar o Jeremias sem violentar a sua superior e desconcertante discrição.
Um dia dir-vos-ei como fiz.
sábado, 2 de agosto de 2008
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