Está longe de ser o único sítio, mas é talvez nos restaurantes que mais se nota o fenómeno que me traz hoje a este fórum. Pelo menos é aí que mais o noto. Como sabem quase todos os que me conhecem (que se encarregam, aliás, de o divulgar por aqueles que não me conhecem), tenho um sentimento de grande estima pelos alimentos de uma forma geral. E gosto de ver tratar bem tudo o que me merece estima. É pois com uma pontinha de comoção que faço aqui a devida chamada de atenção à forma carinhosa como os portugueses de uma forma geral (e nos restaurantes em particular), conseguem ser carinhosos com a abundante utilização de apenas dois sufixos: o inha e o inho. Começamos por pedir a listazinha. Enquanto a lemos vamos comendo um pãozinho com manteiguinha. Ponderamos pedir uma sopinha. Talvez uma canjinha. Depois hesitamos: uma carninha (talvez um bifinho) ou um peixinho. Um robalinho não ia mal. Para acompanhar talvez um vinhinho (um tintinho) e também uma águinha. Rematamos com um leitinho-creme e um cafézinho. E depois disto tudo, mantemos o tom e pedimos o quê? A continha, naturalmente. É comovente. Toda uma refeição tratada com a maior das ternuras.
E o fenómeno é transversal a toda a população. Mesmo entre aqueles que, ciosos da sua masculinidade e sempre prontos a exibir publicamente altas doses de virilidade, não se coibem de entrar despudoradamente neste universo de cutchi-cutchi.
Imagine-se um camionista de longo curso, por exemplo. Pára numa área de serviço. Desliga toda a panóplia de luzinhas coloridas que conferem à cabina daquele TIR um permanente ar natalício. Desencosta a barriga do volante e verifica que a rotação do mesmo lhe desenhou um semí-cículo na camisola de cavas. Sai do camião com um pequeno salto para o chão. O impacto com o solo provoca-lhe a trepidação do abdómen, facilitando a expulsão de um gás. Coçando a virilha com o dedo médio da mão direita (o mesmo onde tem tatuados cinco pontos, formando um quadrado com um ponto no meio), dirige-se ao balcão do snack. Bate com a mão direita na madeira onde o anel do dedo indicador (com uma serpente enroscada num crâneo) faz uma pequena mossa. E pede uma sandezinha de presunto com uma cervejinha. Ou então só uma “minezinha”. Enternecedor. Mesmo que termine o pedido com um libertador “f***-se!”. E sem o mais leve complexo do abichanamento que a utilização destas ternuras possa causar à sua imagem.
Não sou grande conhecedor de línguas estrangeiras, mas parece-me não haver paralelo com outros idiomas. Para que o tom fosse o mesmo, um americano, na altura de pedir a continha, teria de pedir uma “little bill”. Ou talvez uma “sweet little bill”. E já alguém ouviu um espanhol a pedir uma “cuentinha”? Pouco crível.
Fiquem bem. E saúdinha!
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
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10 comentários:
Revejo-me muito neste "post".
Eu confesso que passo a vida toda a controlar-me para nos restaurantes não pedir ao menos a "continha".
Mas sempre que consigo, sinto que os empregados me fuzilam com o olhar e concluo, p'á próxima, aqui, estou lixado. Pedirei médio, sair-me-á mal passado, peço lulas e trazem-me potas, virá abrótea se pedir garoupa.
Por isso estudo sempre muito bem a "psiquê" do sítio antes de tentar controlar-me.
O fenómeno repete-se realmente noutros sectores, para além da restauração. Ao comprar um novo modelito numa loja de roupa costumo ouvir..... "aqui tem o seu talãozinho"!!!
Contudo em qq curso básico de vendas/atendimento é incutida a ideia de não usar os inhos e inhas, pois tira qualidade.
Mas parece que somos mais simpáticos se usarmos o diminutivos, não é?.
É como o "Queria um Polvo à Lagareiro" em vez de "Quero um polvo à lagareiro" (hummmmmmm já estou cheia de fome!!!!!!!!!!)....... nestes casos ainda nos habilitamos a ouvir dos empregados mais engraçados "Queria.... portanto já não quer!" Lá temos nós que o brindar com o nosso melhor sorriso amarelo!!!!!!!!!!! obrigadinha
a propósito aqui vai o retrato do Portuga. Este é o trabalho de uns estudantes da Universidade do
Porto. Explorem bem cada página, clicando em tudo. Não se limitem
a ler, há surpresas de todo o tipo, porque quase tudo tem
animaçao!
Eis... O Portuga de A-Z:
http://eos.fe.up.pt/exlibris/dtl/d3_1/apache_media/web/7640/index.html
Sem dúvida que é verdade, apesar de com um peixinho ir melhor um bom branquinho. ;) Mas acho que ainda nos falta referir a forma como chamamos os empregados dos restaurantes, cafés e afins cá em Portugal: "Olhe!", "Se faz favor?", "Fazia Favor?" "Psssttt", "Senhor(a)!" ou o tão famoso "Desculpe..." e sempre com um ar comprometido, tímido ou envergonhado, porque até parece que eles não estão ali para nos atender. E quantas vezes se acompanham estas palavras com um esticar tímido e contido do indicador, para dar um pouco mais de ênfase à coisa! Pode ser que se não ouvir o nosso tom de voz (quase sempre baixo) veja o movimento. Em qualquer outro país graçon, waiter, fica bem, mas cá não... E no fim além de pedir a bela da continha, lá se faz o gesto de escrever no ar. Maravilhoso, não é? Mas, se assim não fosse, não éramos portugueses! :)
Pois eu nos restaurantes adoro sentar-me à mesa com alguém que gosta de perguntar às empregadas, normalmente às jeitosas, qual o nome, usando em cada solicitação o nome dela para causar impacto e dar ideia de grande familiaridade. Normalmente esta pessoa é o senhor meu Pai que tem a mania que ainda é engatatão, e mais grave, costuma fazê-lo em presença de minha mãe, que olha para ele com o seu quê de simpatia à mistura com um: "coitado!". Nessas alturas recordo-me dos meus tempos de infância com os meus 7, 8 anos, quando saía com o meu pai, ele costumava pedir-me que o tratasse por irmão, e eu muito ofendida fazia questão de gritar pai a plenos pulmões quando precisava de falar com ele. Sim senhora, o meu pai era e ainda é fresco!!
Outra coisa que adoro quando vou a um restaurante e costumo fazer com o João, é pedir algo e quando dizem que já não há, respondo, simulando que nos estamos a levantar com ar muito sério, então vamos a outro sítio!!
Normalmente os empregados ficam com uma cara muito engraçada.
Mas isto somos nós... família com um elevado sentido de humor!
Uma só palavra para ti Luis, soberbo!
é importantíssimo registar também o ansiado regresso, em grande estilo, da Bela (o teu pai ainda te pede hoje p/ lhe chamares irmão em público?).
quanto ao L. apetece dizer que qual "diz que é uma espécie de magazine" qual carapuça. o humor mais fino que aí há passa no Clube, quando o L. vem a público. concedo que às vezes o Ricardo Araújo Pereira se aproxima dos standards do L.
é ver a inspiração suscitada, nesta caixinha de comentários. até o Menir ficou gago (dois soberbos!).
Podias viver disto......vejo mais uma futura brilhante carreira alternativa ou complementar:
Crítico Culinário - vivias de percorrer o mundo a degustar as melhores iguarias que este tem para te oferecer e escrevias brilhantemente sobre o assunto partilhando este teu dom (para comer e para a escrita)!
ficavamos todos mais felizes, verdade?
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