quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Comidinha...

Está longe de ser o único sítio, mas é talvez nos restaurantes que mais se nota o fenómeno que me traz hoje a este fórum. Pelo menos é aí que mais o noto. Como sabem quase todos os que me conhecem (que se encarregam, aliás, de o divulgar por aqueles que não me conhecem), tenho um sentimento de grande estima pelos alimentos de uma forma geral. E gosto de ver tratar bem tudo o que me merece estima. É pois com uma pontinha de comoção que faço aqui a devida chamada de atenção à forma carinhosa como os portugueses de uma forma geral (e nos restaurantes em particular), conseguem ser carinhosos com a abundante utilização de apenas dois sufixos: o inha e o inho. Começamos por pedir a listazinha. Enquanto a lemos vamos comendo um pãozinho com manteiguinha. Ponderamos pedir uma sopinha. Talvez uma canjinha. Depois hesitamos: uma carninha (talvez um bifinho) ou um peixinho. Um robalinho não ia mal. Para acompanhar talvez um vinhinho (um tintinho) e também uma águinha. Rematamos com um leitinho-creme e um cafézinho. E depois disto tudo, mantemos o tom e pedimos o quê? A continha, naturalmente. É comovente. Toda uma refeição tratada com a maior das ternuras.
E o fenómeno é transversal a toda a população. Mesmo entre aqueles que, ciosos da sua masculinidade e sempre prontos a exibir publicamente altas doses de virilidade, não se coibem de entrar despudoradamente neste universo de cutchi-cutchi.
Imagine-se um camionista de longo curso, por exemplo. Pára numa área de serviço. Desliga toda a panóplia de luzinhas coloridas que conferem à cabina daquele TIR um permanente ar natalício. Desencosta a barriga do volante e verifica que a rotação do mesmo lhe desenhou um semí-cículo na camisola de cavas. Sai do camião com um pequeno salto para o chão. O impacto com o solo provoca-lhe a trepidação do abdómen, facilitando a expulsão de um gás. Coçando a virilha com o dedo médio da mão direita (o mesmo onde tem tatuados cinco pontos, formando um quadrado com um ponto no meio), dirige-se ao balcão do snack. Bate com a mão direita na madeira onde o anel do dedo indicador (com uma serpente enroscada num crâneo) faz uma pequena mossa. E pede uma sandezinha de presunto com uma cervejinha. Ou então só uma “minezinha”. Enternecedor. Mesmo que termine o pedido com um libertador “f***-se!”. E sem o mais leve complexo do abichanamento que a utilização destas ternuras possa causar à sua imagem.
Não sou grande conhecedor de línguas estrangeiras, mas parece-me não haver paralelo com outros idiomas. Para que o tom fosse o mesmo, um americano, na altura de pedir a continha, teria de pedir uma “little bill”. Ou talvez uma “sweet little bill”. E já alguém ouviu um espanhol a pedir uma “cuentinha”? Pouco crível.
Fiquem bem. E saúdinha!

10 comentários:

Vitor Reis M disse...

Revejo-me muito neste "post".
Eu confesso que passo a vida toda a controlar-me para nos restaurantes não pedir ao menos a "continha".
Mas sempre que consigo, sinto que os empregados me fuzilam com o olhar e concluo, p'á próxima, aqui, estou lixado. Pedirei médio, sair-me-á mal passado, peço lulas e trazem-me potas, virá abrótea se pedir garoupa.
Por isso estudo sempre muito bem a "psiquê" do sítio antes de tentar controlar-me.

Beta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Beta disse...

O fenómeno repete-se realmente noutros sectores, para além da restauração. Ao comprar um novo modelito numa loja de roupa costumo ouvir..... "aqui tem o seu talãozinho"!!!
Contudo em qq curso básico de vendas/atendimento é incutida a ideia de não usar os inhos e inhas, pois tira qualidade.
Mas parece que somos mais simpáticos se usarmos o diminutivos, não é?.
É como o "Queria um Polvo à Lagareiro" em vez de "Quero um polvo à lagareiro" (hummmmmmm já estou cheia de fome!!!!!!!!!!)....... nestes casos ainda nos habilitamos a ouvir dos empregados mais engraçados "Queria.... portanto já não quer!" Lá temos nós que o brindar com o nosso melhor sorriso amarelo!!!!!!!!!!! obrigadinha

Beta disse...

a propósito aqui vai o retrato do Portuga. Este é o trabalho de uns estudantes da Universidade do
Porto. Explorem bem cada página, clicando em tudo. Não se limitem
a ler, há surpresas de todo o tipo, porque quase tudo tem
animaçao!
Eis... O Portuga de A-Z:

http://eos.fe.up.pt/exlibris/dtl/d3_1/apache_media/web/7640/index.html

Clara disse...

Sem dúvida que é verdade, apesar de com um peixinho ir melhor um bom branquinho. ;) Mas acho que ainda nos falta referir a forma como chamamos os empregados dos restaurantes, cafés e afins cá em Portugal: "Olhe!", "Se faz favor?", "Fazia Favor?" "Psssttt", "Senhor(a)!" ou o tão famoso "Desculpe..." e sempre com um ar comprometido, tímido ou envergonhado, porque até parece que eles não estão ali para nos atender. E quantas vezes se acompanham estas palavras com um esticar tímido e contido do indicador, para dar um pouco mais de ênfase à coisa! Pode ser que se não ouvir o nosso tom de voz (quase sempre baixo) veja o movimento. Em qualquer outro país graçon, waiter, fica bem, mas cá não... E no fim além de pedir a bela da continha, lá se faz o gesto de escrever no ar. Maravilhoso, não é? Mas, se assim não fosse, não éramos portugueses! :)

Bela disse...

Pois eu nos restaurantes adoro sentar-me à mesa com alguém que gosta de perguntar às empregadas, normalmente às jeitosas, qual o nome, usando em cada solicitação o nome dela para causar impacto e dar ideia de grande familiaridade. Normalmente esta pessoa é o senhor meu Pai que tem a mania que ainda é engatatão, e mais grave, costuma fazê-lo em presença de minha mãe, que olha para ele com o seu quê de simpatia à mistura com um: "coitado!". Nessas alturas recordo-me dos meus tempos de infância com os meus 7, 8 anos, quando saía com o meu pai, ele costumava pedir-me que o tratasse por irmão, e eu muito ofendida fazia questão de gritar pai a plenos pulmões quando precisava de falar com ele. Sim senhora, o meu pai era e ainda é fresco!!
Outra coisa que adoro quando vou a um restaurante e costumo fazer com o João, é pedir algo e quando dizem que já não há, respondo, simulando que nos estamos a levantar com ar muito sério, então vamos a outro sítio!!
Normalmente os empregados ficam com uma cara muito engraçada.
Mas isto somos nós... família com um elevado sentido de humor!

Master of Menir disse...

Uma só palavra para ti Luis, soberbo!

Master of Menir disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor Reis M disse...

é importantíssimo registar também o ansiado regresso, em grande estilo, da Bela (o teu pai ainda te pede hoje p/ lhe chamares irmão em público?).
quanto ao L. apetece dizer que qual "diz que é uma espécie de magazine" qual carapuça. o humor mais fino que aí há passa no Clube, quando o L. vem a público. concedo que às vezes o Ricardo Araújo Pereira se aproxima dos standards do L.
é ver a inspiração suscitada, nesta caixinha de comentários. até o Menir ficou gago (dois soberbos!).

Beta disse...

Podias viver disto......vejo mais uma futura brilhante carreira alternativa ou complementar:
Crítico Culinário - vivias de percorrer o mundo a degustar as melhores iguarias que este tem para te oferecer e escrevias brilhantemente sobre o assunto partilhando este teu dom (para comer e para a escrita)!
ficavamos todos mais felizes, verdade?