sexta-feira, 9 de novembro de 2007

(o fim d)a minha tarde no Parlamento


Afinal, ainda não foi desta que os meus “mocassins” foram postos à prova e o meu comportamento pareceu deixar descansados os homens da segurança pública.

Escolhi a segunda fila da galeria 1, logo por detrás da área para fotógrafos e camera men (da RTP e da SIC). Palpitei que ali podia haver acontecimento. E houve mesmo.
É que o pobre do ministro Manuel Pinho nem imagina o quão intensamente foi a sua sonolência sendo documentada. “Lá está ele, já recomeçou”. Riam-se contidamente os media men e click, click, click.
Mas o Manuel Pinho tem mesmo uma forma bem peculiar de dormitar. Fecha os olhos, os braços cruzados, o pescoço erecto, o corpo em postura atentíssima. Mas os olhos fechados. Por vezes abre o olho direito, investiga, roda 10º a cabeça e fecha de novo o olho. O direito. O esquerdo sempre fechado. Tudo isto virado escancaradamente para a assembleia e as galerias. Ás vezes lá coloca a mão esquerda, para melhor suportar o esforço.

Já o Pedro chegou 10 minutos antes do seu momento para discursar.
Nervoso, vergado, ansioso. Sobe as escadas, chega-se ao púlpito e logo ao habitual tumulto da sala do palácio se substitui num repente o silêncio, como se fosse missa e tivesse chegado o bispo.
Há de facto qualquer coisa de especial no Pedro, uma aura, uma carga dramática, uma capacidade teatral que poucos em Portugal conseguem assim impor às audiências.
Fez um discurso como é de sua arte, aos solavancos nas ideias e argumentos, mas em crescendo de decibéis, em crescendo de gesticulação, e definitivamente ancorado no passado, no seu passado.
Esteve o Pedro vibrante.
A bancada PSD aplaudiu no final com intensidade, todos menos um em pé, como se acarinha o bandarilheiro que acabou a sua faena. Cheguei aliás a esperar que alguém o levantasse em ombros.
Mas de facto, consideração de vizinho à parte, nada disse o Pedro que em outras bocas não passasse por um chorrilho de banalidades.
Mas é assim o Pedro. Nele é tudo cena, palco, holofotes, microfones, público.
O Pedro é um animal de multidões. Que importa o que diz se o diz tão bem, tão sinceramente, o tom tão grave e tão determinado? O povo (mesmo o povo parlamentar) adora sentir a determinação. Pode ser asneira, mas se for proclamada com determinação soa sempre bem. E o Pedro é um autêntico herói romântico, tal qual um guerreiro senhorial japonês de há 500 anos.
Discursou e saiu. Tinha feito o seu papel. Quase todos os outros parlamentares ficaram.
Sem o Pedro na sala, já pouco adiantava a minha presença. Senti que cumprira o meu papel de bom vizinho.


Já nas escadas, dei comigo a pensar no que se passou com o super boxeur Mike Tyson, que disputou o seu último combate com Lennox Lewis, em 2002, uma década depois do seu período de reinado e esplendor. Mike caiu então sovado e humilhado que nem principiante e acabou a noite com um nunca compreendido gesto, ao limpar com o seu dedo uma pinga de sangue no rosto do seu carrasco. Terminou em sangue, caída no tapete e desfeita numa noite a glória do maior boxeur do nosso tempo. Muitos leram ali um espírito de querer o herói “morrer onde matei”. Dedica-se hoje à criação de pombas, parece. Não sei se o Pedro conhece a história.

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